Martin Luther King Jr. começa sua autobiografia dizendo,

“Claro que eu era religioso. Eu cresci na igreja. Meu pai é um pregador, meu avô era um pregador, meu bisavô era um pregador, meu único irmão é um pregador, o irmão do meu pai é um pregador. Então eu não tive muita escolha”.1 Mas é claro que o rei, como todos nós, teve uma escolha, e ele a fez com todo o seu coração, alma, mente e força. Uma pessoa se pergunta se King ouviu nossa passagem durante seus primeiros dias de instrução na fé, e se ele reconheceu a situação com a qual Josué fala como sua própria situação: uma comunidade com um relacionamento histórico, pacífico com Deus deve, no entanto, escolher viver nesse relacionamento.

O texto lecionário vem no final do livro de Josué, quando Josué convocou o povo a Schechem para renovar seu pacto com Deus. Ele relata a história deste relacionamento de pacto. Ele começa lembrando seu passado distante, “há muito tempo”, literalmente “da eternidade”, quando os ancestrais dos israelitas viveram “na terra além do rio”, ou seja, o Eufrates. Ele então conta o que Deus fez por seus antepassados: deu-lhes descendentes e boa terra; afligiu seus inimigos e os tirou da escravidão; levou-os a uma nova terra e lhes deu a vitória sobre os amorreus.

Nota que Josué não segue a típica lembrança tripartida dos antepassados Abraão, Isaac e Jacó. Em vez disso, ele vai ainda mais longe na história para Terah, o pai de Abraão, e inclui o menos conhecido Naor, o irmão de Abraão. Ao fazer isso, Josué mostra que, desde o início da história, sempre houve subcorrentes da falta de fé dos israelitas. Terah e Naor “serviram a outros deuses” (versículo 2). Nós vemos esta evidência em Gênesis 31:53. Quando Jacó e Labão fazem seu pacto em Mizpá, eles juram pelo Deus de Abraão e os deuses (‘elohe’) de Naor. Desde o início da história de Israel, então, há evidência daqueles que não escolheram servir ao Senhor.

A partir deste histórico de ancestrais politeístas que serviram a outros deuses, Josué exorta o povo a temer e servir a Deus em completa fidelidade (Josué 24:14). “Servir a Deus” torna-se o refrão central da mensagem de Josué. Ele repete a palavra duas vezes no versículo 14, e ela aparece três vezes nos quatro versículos seguintes. Somente a Nova Tradução em inglês traduz a palavra como “adoração”; outras traduções em inglês traduzem-na como “servir”. Ambas as traduções têm mérito, já que o alcance semântico do verbo sugere que adorar a Deus é servir a Deus. A “adoração” enfatiza que devemos adorar somente a Deus e não nos curvarmos a outros deuses (como o Antigo Testamento repete constantemente).

Não obstante, em Josué, a palavra “servir” faz mais sentido, particularmente por causa de sua proximidade com o Êxodo. Os israelitas foram libertados da escravidão no Egito, mas a sua liberdade não é absoluta. Ao contrário, eles deixam de ser servos do Faraó para serem servos de Deus. Ao contrário do tipo de escravidão e serviço que prestaram no Egito, no entanto, desta vez eles devem escolher servir a Deus.

Na verdade, Josué reconhece que servir a Deus pode não ser algo que as pessoas queiram fazer. O versículo 15 começa com o reconhecimento de Josué de que pode não ser desejável (NVI), ou o povo pode não estar disposto (NRSV) a servir ao Senhor. Estas traduções perdem a honestidade crua da ESV e da KJV, que refletem o drama do hebraico literal. Não é simplesmente que servir a Deus parece desagradável para o povo, mas que pode ser “mal aos seus olhos” (ESV) e pode parecer “mal para você” (KJV).

Se é uma escolha – talvez indesejável, talvez até mesmo mal – servir a Deus, então por que fazê-la? Os próprios israelitas dão-nos duas respostas, assinaladas pela palavra “para”. A primeira vem no versículo 17. A razão para servir a Deus é por causa do que Deus tem feito por eles. Eles estavam ouvindo o sermão de Josué! Eles ecoam a história que o próprio Josué relatou em detalhe para eles. A segunda razão emerge naturalmente da primeira. Se Deus fez isto por nós, então Ele é o nosso Deus. Esta afirmação se torna mais profunda quando é colocada no fundo do politeísmo.

No versículo 15, Josué aponta para a disponibilidade de outros deuses – os deuses dos amorreus, os deuses de seus antepassados, ou o Senhor. Mas o povo reconhece com razão que o Senhor é o seu Deus. Seria absurdo servir a outros deuses, e abandonar Deus, quando este Deus é nosso! É significativo que o povo afirme isso. Os israelitas muitas vezes sofrem de amnésia quando se trata de lembrar os atos passados de Deus, mas não aqui.

O texto lecionário termina antes do capítulo, o que é um tanto infeliz, pois a conversa entre Josué e o povo continua com um maravilhoso toque retórico. Josué lançou o desafio – escolher servir a Deus – e o povo respondeu: “Nós serviremos a Deus”. Não contente com isso, Josué estabelece o desafio, dizendo-lhes que não podem servir a Deus, e advertindo-os das conseqüências de abandonarem o Senhor. A isto, o povo volta a soar o refrão: “Nós serviremos ao Senhor” (versículos 21, 24). Josué conclui retirando-se do quadro. Ele não será o testemunho das promessas do povo, mas o povo “é testemunha contra vocês mesmos que vocês escolheram servir ao Senhor” (22).

Na lição do evangelho de hoje, Jesus também reconhece a necessidade de “escolher servir a Deus”, mesmo que seja difícil. Em resposta aos difíceis ensinamentos de Jesus, alguns partem. Jesus reconhece que os doze talvez também queiram partir. Pedro responde, dizendo: “Senhor, a quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (João 6,68). Eles podem partir, mas por que o fariam? Jesus os trouxe até aqui, e ele é o Deus deles, com as palavras da vida eterna.

1Martin Luther King, Jr. A Autobiografia de Martin Luther King, Jr. (Nova Iorque: Warner Books, 1998), 3.

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