Em fevereiro, a principal revista brasileira de futebol Placar publicou uma edição de colecionador brilhante para celebrar a primeira década de Neymar no jogo. O elogio de 74 páginas recontou a carreira de Neymar, listou seus 574 jogos pelo clube e pelo país e dedicou duas páginas às supostas conquistas do jogador fora de campo. Acima de tudo, Placar afirmou que o astro do Paris Saint-Germain é o melhor jogador brasileiro desde Pelé.
A reivindicação de Placar desencadeou o debate sobre o lugar de Neymar no panteão dos deuses do futebol brasileiro. Alguns argumentaram a favor de Neymar, outros – a grande maioria dos especialistas e torcedores – ridicularizaram a idéia. As estatísticas sugerem que Neymar está entre os melhores da camisa brasileira. Em 99 jogos pelo seu país, Neymar marcou 61 gols, um número que o coloca em terceiro lugar entre Ronaldo, com 62 gols, e Romário, com 55 gols, na lista dos maiores goleadores brasileiros de todos os tempos.
Neymar vai ganhar a sua 100ª partida pela seleção brasileira em uma partida de ida e volta contra o Brasil em Cingapura. Na quinta-feira, os brasileiros jogarão contra o Senegal e, três dias depois, enfrentarão a Nigéria.
Neymar tem, portanto, Ronaldo bem na mira. No entanto, há diferenças tangíveis com Ronaldo e Romário. O primeiro levou o Brasil a um quinto título mundial, superando a artilharia com oito gols na Copa do Mundo de 2002, no Extremo Oriente. Oito anos antes, o segundo havia arrastado o Brasil para um quarto astro ao lado do seu parceiro de ataque Bebeto na Copa do Mundo de 1994. A terceira aceleração de Ronaldo foi inigualável e a exploração do espaço na caixa por Romário foi inigualável. Ambos foram eleitos o melhor jogador do mundo em suas carreiras.
A carreira da seleção nacional do Neymar tomou um rumo diferente desde a estreia contra os Estados Unidos em 2010, quando um Brasil de Santos sob o comando do técnico Mano Menezes derrotou o anfitrião em Nova Jersey por 0x2. As lesões truncaram sua carreira no Brasil – nas quartas-de-final da Copa do Mundo de 2014, antes da Copa do Mundo de 2018 e antes da Copa América do verão passado em casa. Resultado: Neymar só ganhou a Copa das Confederações de 2013 e os Jogos Olímpicos de 2016, competições de pouco destaque no jogo internacional.
Rússia deveria ter sido a Copa do Mundo de Neymar, que aos 26 anos estava no auge de seus poderes físicos, mas em vez disso deixou uma marca indelével na consciência global com sua histriônica e birras, quase o tornando um ator-atacante que pertencia ao palco do Teatro Bolshoi. Exceto Neymar, que vendeu demais. Ele rapidamente se tornou uma caricatura.
O peso da história provou ser demais para o Brasil e Neymar. A camisa amarela e as lembranças de Pelé, Garrincha, Zagallo e outras estrelas sem idade a ela ligadas sobrecarregaram os jogadores brasileiros. Nem mesmo o lodestar da equipe conseguiu guiar os pentacampeões mundiais para além de uma Bélgica engenhosa e das pontas dos dedos de Thibaut Courtois. Neymar caiu em Kazan, o cemitério dos grandes.
Desde a eliminação no Tatarstan Neymar, a reputação de Neymar tem nosedived ainda mais. Na mente do público, ele é um pária, cuspido ferozmente pelos torcedores do Paris Saint-Germain, no “curtain raiser” desta temporada contra o Nimes. Alienados em casa, em um ambiente insensível, onde o presidente Jair Bolsonaro pretende punir os pobres, os brasileiros discordam de quase tudo, exceto de Neymar.
Durante a recente Copa América, taxistas em São Paulo e respeitados advogados no Rio de Janeiro encontraram pontos em comum em sua antipatia pelo talismã do Brasil. Eles discutiram sobre o nível do seu jogo, mas, acima de tudo, não o levaram a sério. O consenso era simples: ele é um pirralho mimado, um eterno adolescente ou em português ‘um moleque’ – uma criança, uma pessoa sem caráter ou integridade. Mas fale com aqueles que estão mais próximos dele – jogadores do FC Barcelona, a equipe dos bastidores do Brasil – e eles são inflexíveis: Neymar é uma figura popular no vestiário.
O vox populi é uma acusação séria no discurso de Neymar, uma que merece reflexão. Em meio a toda histeria e delito fora do campo, é fácil esquecer que Neymar é um jogador soberbo. Seus 61 gols pelo Brasil não refletem exatamente seu talento incontestável, uma combinação de agilidade natural em seus movimentos, uma velocidade em seu pensamento e execução e a consumada habilidade brasileira – improvisação.
O técnico Tite construiu sua equipe em torno de Neymar, mesmo que na era pós Copa do Mundo ele tenha tentado se afastar de muita dependência do seu número dez. No entanto, Tite está interessado em testar Neymar em um papel mais central. A sua equipa joga de uma forma moderna e compacta, confiando menos no balcão. Ele restabeleceu o Brasil como um time dominante na posse de bola. Desde a derrota para a Bélgica, ele vem mexendo com o equilíbrio do seu meio-campo para reduzir a sua exposição contra adversários de elite.
Against Senegal e Nigéria, Tite tem riquezas em abundância para escolher. Eder Militão, do Real Madrid, Arthur, do FC Barcelona, Lucas Paqueta, do AC Milan, e Gabriel Jesus, do Manchester City, fazem todos parte de uma nova geração que, ao lado de Neymar, poderá formar a espinha dorsal da equipa brasileira na próxima Taça do Mundo. Aos 27 anos, Neymar ainda tem alguns anos no auge das suas faculdades físicas. Chegando ao Qatar em 2022, ele terá 30 anos. Pode ser o desafio mais interessante de sua carreira até agora: liderar o Brasil em outra Copa do Mundo, pegar os talheres de prata e realmente apoiar a afirmação de Placar.
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