A Mandíbula Adulta
A mandíbula inferior é o único elemento esquelético da cabeça, além do occiptal com C1 e ossículos do ouvido médio, para desfrutar de movimentos independentes. Articula-se com as fossas mandibulares dos ossos temporais escamosos nas articulações sinoviais temporomandibulares. A mandíbula29 dá fixação aos músculos que formam o assoalho da boca e da língua, aos músculos da mastigação e também suporta todos os dentes inferiores. Cada metade da mandíbula é constituída por um corpo horizontal e um ramo vertical (Fig. 5-68).
A extremidade anterior do corpo encontra o seu companheiro oposto na linha média da sínfise menti.30 Isto é normalmente marcado na superfície externa como uma crista vertical que se divide em inferioridade para cercar uma área triangular, a protuberância mental (queixo), na base da qual está um tubérculo mental de cada lado. Uma depressão rasa, a fossa incisiva, encontra-se acima da protuberância. Na superfície externa, uma linha oblíqua, parte da qual proporciona a fixação do músculo bucinador, estende-se posterolateralmente do tubérculo até a superfície anterior do ramo. Acima da linha encontra-se o forame mental para a saída do nervo e vasos mentais. Gershenson et al. (1986) descrevem a abertura como às vezes cribética ou trabecular e suas ilustrações do forame assemelham-se à morfologia na entrada do meato auditivo interno. O relato tradicional do manual coloca a posição do forame entre as raízes dos dentes pré-molares, apesar de muitos relatos de que ele pode ser tão avançado quanto o primeiro pré-molar, ou entre o segundo pré-molar e o primeiro molar (Tebo e Telford, 1950; Miller, 1953; Ashley-Montagu, 1954; Gabriel, 1958; Azaz e Lustmann, 1973; Wang et al., 1986). Há dados que sugerem que a posição varia em diferentes populações (Simonton, 1923; Murphy, 1957a; Green, 1987; Chung et al., 1995; Ngeow e Yuzawati, 2003; Kim et al., 2006; Al-Khateeb et al., 2007), e Green e Darvell (1988) relataram uma correlação significativa entre o desgaste dentário e a posição anteroposterior. No adulto jovem portador de dentes, a altura do forame situa-se aproximadamente a meio caminho entre a base do osso e a borda alveolar e sua relação com a borda inferior permanece constante, mesmo no estado edêntulo. À medida que o osso alveolar é reabsorvido, o forame chega a ficar muito mais próximo do topo do osso, ou a reabsorção pode até chegar abaixo do nível do forame, deixando o nervo alveolar inferior exposto sobre o osso e tecido mole (Gabriel, 1958). A direcção da abertura altera-se durante o desenvolvimento (ver abaixo), mas no adulto tem uma borda afiada, excepto no quadrante póstero-superior, onde o nervo emerge (Warwick, 1950). A ocorrência de foramina múltipla varia entre 2% e 30%, dependendo da população (Ashley-Montagu, 1954; Riesenfeld, 1956; Murphy, 1957a; Azaz e Lustmann, 1973; Reinhard e Rösing, 1985; Gershenson et al., 1986; Naitoh et al., 2009). Serman (1989) descreveu uma variação em que dois foramina enfrentavam anteriormente e posteriormente, respectivamente. Após a saída do nervo mental, o ramo incisivo reentrou no osso através do forame anterior e, para a distância entre os dois foramina, não havia canal mandibular dentro do osso.
Na superfície interna, apenas lateral à extremidade inferior da sínfise, há um orifício oval, a fossa digástrica, para a fixação da barriga anterior do músculo digástrico. Acima desta, e próximo à sínfise, há uma pequena projeção, a coluna vertebral mental, por vezes dividida em seções superiores e inferiores (tubérculos geniais31), aos quais estão ligados o genioglosso e os músculos genio-hioidóides. Greyling et al. (1997) deram uma descrição detalhada da área dos tubérculos geniais e revisaram a literatura. Acima dos tubérculos, um forame de linha média (lingual) está presente em mais de 80% das mandíbulas. Shiller e Wiswell (1954) e Sutton (1974) traçaram nervos desde o plexo incisivo até esse forame, mas McDonnell et al. (1994) relataram que ele continha uma artéria formada por uma anastomose dos vasos sublinguais direito e esquerdo. A partir da fossa digástrica, uma crista oblíqua, a linha miohióide, passa para cima e para trás. Ela permite a fixação do músculo mio-hio-hóide, formando o piso da boca, e divide a superfície em uma área anterior (vestibular) e uma área posterior (cervical). Acima e abaixo da linha estão duas cavidades nas quais as glândulas salivares lingual e submandibular se encontram em relação ao osso. A borda inferior do corpo (splenium) é espessa e arredondada, enquanto a borda superior forma o processo alveolar. Como a da maxila, é composta de bases para os oito dentes permanentes: dois incisivos, um canino, dois pré-molares e três molares. Cada cripta possui uma placa vestibular e lingual e é dividida a partir da seguinte por um septo interalveolar (interdentário).
O ramo se estende superiormente como uma placa quadrilateral plana atrás do corpo e sua borda posterior é contínua com a borda inferior do corpo no ângulo mandibular (goníaco) (veja abaixo). Especialmente nos machos, a parte inferior da superfície externa é frequentemente rugosa com cristas para o músculo masseter, enquanto a superfície interna correspondente proporciona fixação para o músculo pterigóides mediais. A borda superior do ramo é formada por dois processos separados por um entalhe profundo, a incisura mandibular (entalhe coronoide/sigmóide), que proporciona uma passagem para estruturas desde a fossa infratemporal até a cavidade oral. Posteriormente, o processo condilar consiste de um pescoço estreito do qual surge uma cabeça transversal cuja dimensão anteroposterior é cerca de metade da sua largura mediolateral. O longo eixo do côndilo não está em ângulo recto com o ramo, mas diverge de tal forma que a extremidade medial é ligeiramente posterior à extremidade lateral. O tamanho e forma do côndilo varia consideravelmente e pode ser assimétrico (Costa, 1986). Existe uma anomalia relativamente rara na qual a cabeça mandibular é dividida em plano anteroposterior, produzindo um côndilo com dupla cabeça. Ela é descrita tanto em crânios secos quanto em pacientes vivos por Hrdlička (1941), Schier (1948), Stadnicki (1971) e Forman e Smith (1984). Blackwood (1957) postulou que esta poderia ser uma anormalidade de desenvolvimento onde os septos de tecido conjuntivo que estão normalmente presentes durante o crescimento da cartilagem condilar até os 2 anos de idade persistem, e assim possivelmente prejudicam a ossificação normal.
A superfície anterior do pescoço tem uma fóvea pterigóides para a fixação de parte do tendão do músculo pterigóides lateral. Anterior à incisura, o processo coronóide é uma extensão triangular fina do osso, ao qual é fixado o músculo temporal. Da ponta do processo uma crista óssea, a crista temporal, corre pela superfície anteromedial e a parte inferior dessa linha e a borda anterior do ramo delimitam uma área atrás dos dentes molares chamada triângulo retromolar. Nessa região, o ligamento pterigomandibular estende-se desde a esfenóide e liga-se a ela, e ao osso adjacente, o músculo constritor superior da faringe posteriormente e o músculo vestibular anteriormente, sendo os músculos separados por um esfé. Cerca da metade da superfície interna do ramo é o grande forame mandibular, que é a entrada para o canal mandibular. Antes de entrarem no canal, o nervo alveolar inferior e os vasos liberam ramos mio-hio-hioides, que se encontram no sulco mio-hio-hioide, que se estende anteroinferiormente a partir do forame. Uma projeção óssea, a língula, encontra-se anteromedial ao forame e é o local de fixação do ligamento esfenomandibular. A posição do forame mandibular e da língula tem sido objeto de muita atenção, pois sua localização exata é importante para a administração de anestesia dentária (Fawcett, 1895; Harrower, 1928; Morant, 1936; Cleaver, 1937-38; Miller, 1953; Gabriel, 1958; Prado et al., 2010). No entanto, como a largura do ramo e seu ângulo com o corpo varia, não é possível definir exatamente sua posição. A maioria dos relatos o coloca na junção do terço inferior e dos dois terços superiores de uma linha que une a ponta do processo coronóide ao ângulo mandibular, e isso geralmente passa logo após o ponto médio da largura do ramo.
Mylohyoid bridging, ocorrendo entre 16% e 60%, dependendo da população, é uma variante hiperostótica onde a ranhura do milohyoid (sulco) torna-se variavelmente ossificada (Ossenberg, 1974, 1976Ossenberg, 1974Ossenberg, 1976; Sawyer et al, 1978; Arensburg e Nathan, 1979; Lundy, 1980; Kaul e Pathak, 1984; Reinhard e Rösing, 1985; Jidoi et al., 2000). O sulco, começando anteroinferior ao forame mandibular e contendo o feixe neurovascular, é normalmente fechado para se tornar um canal de tecido conjuntivo, que é um prolongamento do ligamento esfenomandibular ligado à língula. Uma ou ambas as partes desse tecido podem se transformar parcial ou completamente em osso, formando pontes ou um canal alongado, que pode se estender acima do forame. Isto tem sido considerado como um marcador genético e Ossenberg (1974) sugeriu que é um remanescente da cartilagem de Meckel que sofreu uma hiperostose. A importância clínica da ponte mylohyoid bridging novamente centra-se na possível interferência na administração de anestesia dentária.
O canal mandibular vai do forame para o corpo do osso e, abaixo do nível dos dentes pré-molares ou caninos, divide-se em ramos mentais e incisivos. O curso desse canal tem sido documentado por meio de tomografia computadorizada, com o objetivo de informar os cirurgiões durante as osteotomias sagitais do ramo sagital dividido (Tsuji et al., 2005). O nervo mental corre para cima, para trás e lateralmente para emergir no forame, e o nervo incisivo viaja para frente até a linha média e normalmente fornece o incisivo e os dentes caninos. O nível do canal dentro do osso é muito variável (Starkie e Stewart, 1931; Gabriel, 1958; Carter e Keen, 1971) e foi revisado em mais de 3000 radiografias por Nortjé et al. (1977). Ela pode ser tão alta que as raízes dos dentes molares penetram nela, encontram-se a menos de 2mm da borda inferior da mandíbula ou, em uma minoria de casos, pode ser duplicada. Parece não haver correlação entre a frequência de um canal duplo e múltiplos foramina mentais (Gershenson et al., 1986).
Existem inúmeros relatos de foramina acessória na superfície lingual da mandíbula. Esses são comumente vistos ao nível dos pré-molares (Shiller e Wiswell, 1954; Sutton, 1974) e na região retromolar (Schejtman et al., 1967; Carter e Keen, 1971; Azaz e Lustmann, 1973; Ossenberg, 1987). Este último pode ter até 0,5 mm de diâmetro e muitas vezes conter um ramo recorrente do nervo alveolar inferior que termina no tendão temporal ou no músculo vestibular, ou envia ramos acessórios para o terceiro dente molar. Uma variante similar, mas distinta e rara, do canal da crista temporal, foi descrita por Ossenberg (1986), onde um túnel percorreu horizontalmente a crista temporal a meio caminho entre a cripta do terceiro molar e a ponta do processo coronoide. Novamente, a importância desses canais posteriores é que eles provavelmente fornecem uma rota alternativa para fibras dolorosas que podem não ser alcançadas pelo bloqueio alveolar inferior de rotina.
O ângulo goníaco pode variar de 100 a 140 graus e o ângulo médio é mais alto em caucasianos, quase tão alto em chineses, esquimós e negros e mais baixo em australianos e nativos americanos (Hrdlička, 1940b,cHrdlička, 1940bHrdlička, 1940c; Zivanovic, 1970). Em todos os grupos ancestrais, o ângulo médio nas fêmeas é 3-5 graus mais alto do que nos machos, mas a ampla faixa de variação faz com que essa característica tenha pouco ou nenhum valor para avaliação da ancestralidade (Jensen e Palling, 1954; Zivanovic, 1970). As mandíbulas com um ramo largo e bem marcado tendem a ter um ângulo goníaco menor do que aquelas com um ramo esguio. Symons (1951) distingue o ângulo goníaco do “ângulo verdadeiro da mandíbula”, sendo este último o ângulo entre uma linha do meio do côndilo até o forame mandibular e as superfícies oclusais dos dentes do segundo e terceiro molares. Esse ângulo é muito menos variável do que o ângulo goníaco, que é alterado pelo ‘preenchimento’ do osso alveolar para manter o ângulo verdadeiro.
As na maxila, tori são extensamente relatados na literatura antropológica. O toro mandibular é uma exostose óssea única ou múltipla, no lado lingual da mandíbula abaixo da linha mio-hioide, geralmente no segmento pré-molar, embora possa se estender mais anteriormente. Assim como o toro palatino, isso varia na ocorrência e no grau de expressão. Em geral, a incidência parece ser maior em populações do hemisfério norte, como Inuit, Aleuts e islandeses (Hooton, 1918; Hrdlička, 1940a; Mayhall et al., 1970; Mayhall e Mayhall, 1971; Axelsson e Hedegård, 1981; Reinhard e Rösing, 1985), embora também tenha sido relatada em Khoisan moderno e em peruanos pré-colombianos (Drennan, 1937; Sawyer et al., 1979). Muller e Mayhall (1971) descobriram que a presença de um toro é fortemente afetada pela idade entre esquimós e aleutas, mas também salientam que esses números de incidência podem ser tendenciosos, dependendo se as observações são realizadas em populações vivas ou esqueléticas. Os toros são mais fáceis de ver em material esquelético, mas as coleções esqueléticas são frequentemente deficientes em material juvenil. A dieta e outros fatores ambientais foram sugeridos para explicar o desenvolvimento de um toro, mas estudos familiares indicaram que um componente genético pode estar envolvido (Krahl, 1949; Kolas et al., 1953; Suzuki e Sakai, 1960; Johnson et al., 1965; Axelsson e Hedegård, 1981). Um estudo finlandês de indivíduos com síndrome de Turner dá algum apoio à sugestão de que o cromossomo sexual pode ter influência na ocorrência, expressão e tempo de desenvolvimento da formação do toro (Alvesalo et al., 1996).
Existem muitos estudos que utilizam a mandíbula para estimativa sexual e atribuição de origem ancestral. O valor das análises matemáticas precoces é discutível, pois embora mostrem as diferenças quantitativas esperadas no tamanho entre os sexos, o material em que se baseiam parece ser de sexo indocumentado (Martin, 1936; Morant, 1936). As diferenças nas características ancestrais exibidas pela mandíbula são descritas por Houghton (1977, 1978)Houghton 1977Houghton 1978 e Angel e Kelley (1986) e revisadas por St Hoyme e Işcan (1989). É geralmente aceito que a mandíbula masculina tem uma altura corporal maior, um queixo mais proeminente e uma borda inferior robusta, e um ângulo gonial menos obtuso (Hrdlička 1940c; WEA, 1980). Giles (1964) relatou uma precisão de 85% na previsão sexual usando mandíbulas americanas pretas e brancas documentadas e sugeriu que o dimorfismo sexual compensava as diferenças grupais. Entretanto, Calcagno (1981), usando análise de função discriminante, mostrou que a remoção do fator tamanho e a formulação de novas funções ou a alteração de pontos de secionamento não tiveram sucesso e a especificidade populacional restringe seu uso. Esse problema foi novamente destacado por Maat et al. (1997) usando características não métricas da mandíbula, em uma população dos Países Baixos. O grande tamanho das fêmeas holandesas resultou em um alto grau de desencontro entre a pélvis e a mandíbula. A morfologia do rami sozinho pode ser um melhor discriminador do sexo, pois Hunter e Garn (1972) descobriram que, a partir do final da adolescência, havia uma diferença desproporcional no tamanho do rami em homens e mulheres, em comparação com outros componentes faciais. Loth e Henneberg (1996, 1998)Loth e Henneberg 1996Loth e Henneberg 1998, usando ossos secos, descreveram uma flexão na borda posterior do rami ao nível oclusal na mandíbula masculina, que está ausente nas fêmeas. Eles relataram que isso resultou em uma precisão geral de mais de 94% para avaliação do sexo. O método tem sido criticado com base em fundamentos ligeiramente duvidosos por Koski (1996), que utilizou radiografias laterais e examinou apenas mulheres; entretanto, outros, como Balci et al. (2005), defendem o uso do método com algumas revisões. Uma precisão de 94% em mulheres e 90% em homens foi alcançada com o método em uma população indonésia (Indrayana et al., 1998).
É uma observação comum que as mandíbulas com perda de osso alveolar, e conseqüente adoção de um ângulo goníaco mais obtuso, pertencem a indivíduos idosos. Na grande maioria dos casos, é assim, mas como ambas as alterações são secundárias à condição edêntula, a correlação direta dessa morfologia com a idade deve ser vista com cautela. Embora haja grande variação individual na densidade óssea, parece haver redução da circunferência da secção transversal da mandíbula após a perda do dente, mas, ao contrário dos locais pós-crânio, há aumento da densidade óssea com a idade. As maiores densidades foram encontradas na linha média, inferiormente no forame mental e vestibular no nível do terceiro molar (Kingsmill e Boyde, 1998a,bKingsmill e Boyde, 1998aKingsmill e Boyde, 1998b).