Um dos passatempos favoritos da Índia é ter debates acrimoniosos sobre a sua história. Estes debates são frequentemente reducionistas, não apreciando a complexidade e nuance dos acontecimentos passados e os diferentes meios sociopolíticos da Índia pré-moderna. Com demasiada frequência, os comentadores lêem seus próprios preconceitos sobre a história da Índia, seja para enfatizar demais os aspectos sectários e religiosos da guerra interestadual ou para anacronicamente encontrar uma visão progressista de tolerância em algum governante medieval ou no reino do outro.

Nas últimas semanas, o último debate histórico da Índia tem se concentrado em torno do legado do Império Maratha (1674-1818), desencadeado por um novo filme de Bollywood, Bajirao Mastani. O Império Maratha foi fundado pelo guerreiro-herói Maratha Chhatrapati (Imperador) Shivaji, em resposta ao caos e à má governação que prevaleceu nos Decanos no final do século XVII. Isto ocorreu quando o Império Mongol se expandiu para o sul da Índia. Os nacionalistas hindus veneram o Império Maratha, que se originou entre um povo guerreiro hindu da península Deccan ocidental. Sua reverência deriva do fato de que foi este estado que reverteu séculos de constante aumento do controle político muçulmano sobre o subcontinente. Em meados do século XVIII, era o maior estado do sul da Ásia e os imperadores mongóis em Deli eram os seus fantoches. Bajirao Mastani segue a vida e a carreira de Bajirao Ballal Balaji Bhat, o Peshwa, ou primeiro-ministro, do Império Maratha de 1720 a 1740. Enquanto Bajirao foi um general extremamente bem sucedido que ganhou 40 batalhas, ele enfrentou dificuldades sociais em casa devido ao seu segundo casamento com uma mulher muçulmana chamada Mastani.

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O subcontinente indiano em 1760. Fonte: Mastani: Charles Colbeck – O Atlas Histórico das Escolas Públicas por Charles Colbeck. Longmans, Green; Nova Iorque; Londres; Bombaim. 1905. University of Texas Libraries

O filme em si é muito bem feito, com excelentes imagens e vale bem um relógio para qualquer pessoa interessada na história indiana e nas técnicas de guerra moderna do subcontinente. Pode-se observar, por exemplo, que as armas de fogo eram relativamente raras, apesar de estarem presentes no subcontinente desde o século XV. A pólvora era utilizada principalmente para a artilharia, que era muito utilizada. A Marinha Maratha também foi bem sucedida no combate às marinhas europeias com canhões durante meio século. Mas, neste ponto da história da Índia, a cavalaria tinha claramente a vantagem, mais do que unidades de infantaria e elefantes mal armadas e treinadas, que tinham utilidade limitada na batalha, apesar de serem sempre procuradas. A cavalaria Maratha contribuiu para o sucesso do império ao invadir rápida e profundamente o território mughal e partir com o seu espólio antes que o exército mughal pudesse apanhá-los. A sua dependência dos cavalos e a falta de armas de fogo na infantaria, no entanto, provou ser uma dificuldade ao enfrentar exércitos europeus armados com mosquetes.

Esta tendência dos Marathas para os ataques foi o que desencadeou um debate sobre o império Maratha na sequência do lançamento do filme. Detratores do Império Maratha alegam que os Marathas só queriam um reino para si mesmos, e assim o seu reino “nunca foi hindu”, o que ignora o facto de que a religião dominante da classe dominante de qualquer estado indiano nesta altura era uma parte importante do carácter desse estado, independentemente de como a religião era interpretada ou aplicada num sentido político.

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Outras críticas ao Império Maratha alegam que eles eram os “mongóis” do sul da Ásia, que só faziam campanha pela chauth, um quarto das receitas de outros reinos, sejam eles hindus ou muçulmanos. As batidas de Maratha contra Bengala em 1742 e Jaipur em 1750 são especialmente criticadas porque estas levaram à morte de muitos hindus. Mas tudo isto falha o ponto de vista. Claro que, como qualquer outro reino no século 18, o Império Maratha pretendia se preservar, mesmo que significasse lutar contra os hindus e aliar-se com os muçulmanos. A manta de retalhos de estados a emergir do Império Mongol em declínio na época era tão complexa que era inevitável que alianças de conveniência entre estados de diferentes denominações religiosas fossem a norma. Não há dúvida de que os Marathas, como todos os estados hindus, foram influenciados por práticas islâmicas, arte, arquitetura e guerra, e que mais tarde, os historiadores nacionalistas hindus exageraram suas credenciais hindus.

Já não há dúvida que a imposição do imposto jizya sobre os hindus e a demolição de vários templos hindus importantes durante o reinado do Imperador Mongol Aurangzeb (que reinou de 1659-1707) não teria ocorrido sob o domínio de Maratha, incentivando assim muitos hindus a desertar do Império Mongol durante ou após o reinado de Aurangzeb. Inquestionavelmente, os Marathas eram conscientemente hindus e interessados em estabelecer o poder político hindu no subcontinente. Embora, como os estados cristãos da Península Ibérica durante a reconquista, eles também estavam interessados em lutar e aliar-se com quem se adequasse às suas necessidades na época.

O compromisso Maratha de estabelecer um estado tradicional hindu no subcontinente é evidenciado pelo enorme esforço que fizeram para coroar Shivaji e fundar oficialmente o Império Maratha em 1674. Isto aconteceu numa época em que as grandes coroações imperiais hindus eram raras, devido à maioria dos rajas serem os governantes de estados menores ou sob controle mongol. Durante a coroação, Shivaji alojou e alimentou 50.000 convidados, incluindo brâmanes (sacerdotes hindus) de toda a Índia, ele próprio pesou contra sete metais e várias especiarias valiosas, tudo antes de se banhar na água trazida do rio Ganges, sagrada para os hindus. Finalmente, ele foi declarado senhor do guarda-chuva (Chhatrapati, seu título), um símbolo tradicional de realeza para os grandes governantes hindus e budistas, imitando os deuses Varuna e Vishnu, significando que o mundo estava englobado sob o guarda-chuva do grande rei. Assim, por intenção e simbolismo, é claro que os Marathas estavam claramente estabelecendo um império impregnado de cultura e simbolismo hindu, se não formalmente de uma maneira política.

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